Onda média nos anos 80
Ao completar seu 24º aniversário o DX Clube do Brasil acumula hoje um registro bastante grande da atividade dexista em nosso país. Seriam muitas as considerações que poderíamos fazer em cima de todo o trabalho já realizado. Nesta oportunidade nos deteremos a uma retrospectiva do dexismo em ondas médias nos anos 1980, período bastante significativo do dexismo brasileiro neste segmento.
Antes de fazermos algumas considerações daquele período quero lembrar que o dexismo em ondas médias, depois de um período de certa estagnação, ganhou uma nova força entre nós a partir do ano 2000. Um fato que considero muito importante foi o surgimento da antena RGP3 idealizada por René Gustavo Passold, me lembro de sua divulgação na época e do interesse que despertou. A antena virou uma “febre” entre nós e além dos bons resultados por ela proporcionados, deu novo impulso às escutas e às experiências com antenas nos anos seguintes.
A antena RGP3 foi uma das estrelas no 1º Atlântico Sul DX Camp em Ilha Comprida no mês de Novembro de 2000 que contou com a participação de muitos dexistas brasileiros e também do dexista italiano Rocco Cotroneo, radicado no Brasil há alguns anos. A participação de Rocco foi muito importante, mostrando a todos os presentes técnicas pouco conhecidas ou utilizadas entre nós. Os anos seguintes contaram com a realização de diversas DX Camps e os encontros de praia proporcionaram escutas muitos relevantes como as de estações chinesas durante o ano de 2004. Estas escutas, realizadas também no Rio de Janeiro por Rocco, estão entre as escutas de maior distância já observadas em ondas médias.
Nestes tempos em que a comunicação é muito rápida através da Internet, das inúmeras listas de discussão nela existentes, da grande rotatividade de participantes e, claro, dos efeitos inerentes ao tempo, o trabalho realizado no passado tende a ser esquecido. Por ser muito importante, gostaríamos de resgatar um pouco do que outrora foi realizado por dexistas brasileiros em ondas médias. Logicamente as observações poderiam recuar a várias décadas, mas me deterei aos anos 1980 desta vez, período em que a documentação mais sistemática começou a ser realizada através do DX Clube do Brasil e seu boletim Atividade DX.
Com base em minha própria experiência e de tantos outros amigos e colegas daquele período, alguns praticantes do dexismo ainda hoje, tentarei passar um pouco do que se fazia naqueles anos.
Comparando aos dias atuais éramos absolutamente carentes de receptores. O Philco Transglobe era o rádio da maioria, outros poucos se utilizavam valvulados como Hammarlund e Collins. Por intermédio de alguns, os primeiros digitais começaram a aparecer entre nós através de receptores como o Sony ICF 2001 e em seguida o famoso Sony ICF2001D, alguns modelos Panasonic, Grundig, Yaesu, os primeiros modelos ICF SW 7600 da Sony e ficava por aí. Quanto às antenas, utilizávamos basicamente fios esticados tipo longwire. Também utilizávamos antenas Loop, esta normalmente um modelo muito divulgado pelo saudoso Robert Veltmeijer. No entanto, as escutas daquele período foram muito significativas e com uma regularidade muito maior que a observada hoje, mas porquê isto?
Conversando com alguns amigos chegamos à conclusão que os motivos principais seriam as mudanças ocorridas no próprio rádio brasileiro desde aquela época e a excelência da propagação, principalmente na primeira metade da década de 80. Existe hoje um número muito maior de emissoras no Brasil. Mais potência de transmissão e maior horário de cobertura acabou deixando muito pouco espaço para as emissoras distantes. Ao contrário de hoje, me lembro de quantos canais ficavam vagos a partir da meia-noite local ou com sua potência reduzida. Vejo hoje que estas razões foram muito importantes para tantas escutas com receptores e antenas relativamente simples.
Outro fator importantíssimo foi a incrível propagação na primeira metade dos anos 80, algo não mais observado. Outro fator foi a incidência menor de ruído elétrico. Nunca nos podemos esquecer, no entanto, do fator humano, aquele foi um período com dexistas muito dedicados, talvez até pelos resultados que se obtinha e por ser o veículo rádio ainda muito forte naquele período.
Felizmente o boletim ATIVIDADE DX, editado pelo DX Clube do Brasil deste 1981, registra em suas páginas todo aquele movimento e lá podemos encontrar uma infinidade de loggings das mais variadas estações e países. Algo bastante diferente dos dias atuais era o comportamento da banda de onda média com relação às emissoras do continente americano. Literalmente se ouvia da Patagônia ao Canadá.
Particularmente, assim como outros colegas, tenho o registro de muitas estações captadas, dezenas vindas da Colômbia, Venezuela e Estados Unidos, por exemplo. De fato, estes países eram muito comuns, o som da salsa e das talkradios americanas faziam parte da madrugada, literalmente. Mas a variedade de escutas de emissoras do continente americano era de animar qualquer dexista, várias da Republica Dominicana e Porto Rico. Ainda no Caribe: Barbados, Martinica, Saint Kitts, Anguilla, Bahamas, Cayman, Antilhas Holandesas, Trinidad e Tobago, as repetidoras da VOA em Antigua e Montserrat. Da América Central continental, se bem que com maior dificuldade, há o registro do México, Costa Rica, Nicarágua, Panamá e clandestinas como a Radio Liberación, emissora dos Contras ao governo Sandinista da Nicarágua que, supunha-se, transmitia desde a Guatemala.
Do Canadá tenho o registro de algumas emissoras de Quebec e Ontário. Dos Estados Unidos nunca passei do Texas, mas amigos como Cláudio R. de Moraes e Sergio Doria Partamian assinalam a escuta de emissoras da Califórnia. Da América do Sul ainda hoje me falta a escuta de uma emissora boliviana em onda média, assim como da Guiana Francesa. Os demais países propiciaram a escuta de um numero grande de estações. O registro da Guina Francesa coube a amigos do Norte e Nordeste do Brasil, como por exemplo, o dexista Flavio Romero de Recife-PE, que captou a RFO em 1070 kHz.
O dexismo transatlântico também se fazia presente, e aqui percebo que as diferenças eram menores em relação aos dias de hoje.. O fato de emissoras fora das Américas transmitirem a cada 9 kHz permite que as escutemos mesmo com tantas emissoras brasileiras espalhadas pelo espectro. Se faltava seletividade à muitos dos receptores utilizados, isto era compensado de certa forma pelo tempo mais curto de transmissão e menor potencia das emissoras brasileiras e conseqüentemente o espaço mais livre, além da propagação, claro.
Hoje observamos que Espanha em 684 e Noruega em 1314 são escutas bastante comuns, naquele tempo a Noruega também era e algumas poderiam se juntar a ela, como a WDR da Alemanha em 1593, kHz, a RTM de Tanger Marrocos em 1053, Argélia em 531, a repetidora da Deutsche Welle de Malta em 1557 entre outras. Além das muitas européias captadas, a África do Norte e Oriente Médio também se faziam muito presentes com as emissoras marroquinas, argelinas, tunisianas, sauditas, etc. Há o registro do Iraque, Turquia e Irã também naqueles anos. Do Atlântico a estação das forças armadas americanas, em 1602 kHz, ZD8VR Volcano Radio nas Ilhas Ascensão, era uma escuta bastante freqüente e com boa recepção.
A África Negra sempre foi um desafio, meus melhores resultados foram obtidos apenas recentemente. Naqueles anos tenho uma escuta de Senegal tão somente e este país brindou vários dexistas daqueles tempos, com suas estações em 765, 1305 e 1503 kHz. Algumas interessantes escutas do continente africano foram registradas por Antônio Ribeiro da Motta, dexista na época residente em São José dos Campos-SP. Utilizando basicamente um receptor Hammarlund SP 600 e antena longwire, Motta registrou países como Serra Leoa, Nigéria, Mauritânia, Angola entre outros. Também seu irmão, Lucio da Motta, conseguiu bons resultados em Ubatuba-SP com uma longwire de 200 metros e um receptor Philco Transglobe. José Ricardo de Oliveira, do Rio de Janeiro, ouviu Togo em 1503 kHz.
Felizmente, como puderam acompanhar neste breve relato, existe um histórico documentado do dexismo em ondas médias no Brasil. Hoje as condições são bastante diferentes, mas os resultados ainda aparecem. Além de um bom rádio, de uma antena que atenda às exigências, de um local apropriado e da boa propagação, a dedicação do dexista é também um fator fundamental.
Muitos dos bons loggings de onda médias não serão observados em horários confortáveis e nem por um longo tempo de escuta. Também o acompanhamento deve ser sistemático, o que se ouve hoje pode não ser ouvido amanhã e talvez nunca mais.
Por Samuel Cássio Martins Santos