In Memorian de um dexista único
Algumas pessoas são boas, outras muito boas, e tem aquelas que não encontramos adjetivos para elas em nenhum dicionário, ou em ditos e frase populares – são únicos e raros! Assim foi Samuel Schiffenbauer, uma pessoa simples, modesta, humilde, bom caráter, ótimo filho, excelente irmão, praticante equilibrado de sua religião, enfim como se usa no jargão popular – um amigão!
O rádio como hobby tem destas maravilhas que nunca podemos esquecer, da interatividade, dos clubes, dos encontros! E foi num destes encontros em São Bernardo do Campo SP na casa do nosso amigo Carlos Felipe da Silva na década de 90, que conhecemos Samuel! Samuel era daquelas pessoas que a primeira vez que você a conhece sabe de antemão que será uma amizade para sempre!
De família judaica, Samuel sempre se identificava como judeu pobre (no sentido financeiro!). Sua mãe certa ocasião comentou que ele era o filho que toda mãe queria ter, mas que tinha um defeito – “não tinha paixão por dinheiro!” Isso se percebia ao longo de sua vida, sempre querendo pagar as contas no restaurante quando com amigos!
Nos encontros em Lorena – SP, acredito que ele nunca tenha faltado. Sempre presente e marcava sua presença com pequenos agrados, seja em DVDs ou CDs com assuntos diversos, mexerica pocan, pinhão, e muitas outras coisas que não me recordo no momento! Em suas visitas a minha cidade em Itaúna – MG, sempre trazia um presentinho para a esposa, e em sua última visita ao meu QTH rural em Itatiaiuçu – MG, trouxe uma plantinha já pegadinha de terras de Guaratinguetá – SP, (onde vivia intermediando com seu apartamento em São Paulo) e como num ritual, a plantamos juntos no quintal do sítio!
Raramente encontramos pessoas com o bom humor que tinha o Samuel. Sempre nos recebia com um largo sorriso e um abraço fraternal! Certa ocasião, indo a São Paulo, ele me aguardou no terminal rodoviário do Tietê no amanhecer, às 05h15 da manhã, e lá chegando, ao sair do ônibus, pude conhecer do outro lado do alambrado de tela suas mãos abanando para se identificar, e ao aproximar dele sempre agarrava minha mala e a carregava até o metrô! E em sua residência não sabia como fazer para não deixar faltar nada!
Sempre nos recordamos de fatos inusitados ocorridos com ele! Em Ilha comprida, na nossa primeira DX-pedição, ele levou um tape deck sem os auto falantes e ouvia num fone de ouvidos! Era hilário aquele aparelho enorme, contrastando com os inúmeros portáteis minúsculos sobre as mesas! Ao me aproximar dele e colocar os fones de ouvidos, percebi estar sintonizado numa estação que tinha uma pregação do falecido Pastor Davi Miranda. Samuel achava interessante e ao mesmo tempo hilária a forma de pregar do Pastor!
Embora fosse judeu praticante, ele navegava muito em Aparecida e lá tinha inúmeros amigos, e conhecia como ninguém os pontos turísticos e de interesse naquela cidade! Também em certa ocasião se predispôs a ir a uma entrevista num programa de DX da Rádio Canção Nova, em Cachoeira Paulista! Sempre comentava: “vivo num circuito cheio de magnetismo religioso, Aparecida – Guaratinguetá – Cachoeira Paulista!”.
Apaixonado por cinema, sempre nos repassava vários filmes. Alguns raros! E tinha um costume exótico de colecionar retratos que encontrava na rua e de jornais! Quanto aos jornais, antevia que um dia eles deixariam de ser impressos!
Falar de Samuel Schiffenbaur é falar do DXCB. Ele sempre teve o cordão umbilical ligado no clube. Ambos se complementavam!
Sua morte deixa um vazio enorme, uma lacuna, e a saudade eterna de um grande amigo! Como vivi recentemente depois do Natal 4 dias e 4 noites junto dele, e dos amigos Carlos Felipe, Sergio D. Partamian e Adriano Dias, no nosso QTH rural em Itatiaiuçu, essa partida precoce se torna ainda mais dolorosa para todos! Mas a vida segue seu curso normal. Sinto-me um privilegiado de ter conhecido e compartilhado a amizade de tão nobre pessoa!
Quem também foi um grande amigo de Samuel foi o Professor Sérgio Dória Partamian.
Sérgio Dória Partamian fala do amigo Samuel
Conheci o Samuel Schiffenbauer na década de 1980, na casa de um amigo em comum, o saudoso professor Robert Veltmeijer.Como Dexista ele privilegiava a participação em encontros e cultivar de amizades. Pouco difundia suas escutas, mas figura entre os grandes dexistas brasileiros que tive a oportunidade de conhecer. Sou testemunha do fato! A título de exemplo vou citar dois episódios. Nos idos anos de 1980, quando num encontro dexista comentei com ele ter captado os sinais da Rádio KFRE, de Fresno CA, EUA em 940 kHz na segunda metade da década de 1970, ele confirmou que também a escutava sempre por volta das 07:00 UTC, exatamente o horário em que também eu a reportava! Mais recentemente, 2011, ouvindo rádio com ele numa dxpedition em Itatiaiuçu – MG, a certa altura ele disse “Sérgio, vamos para 4319 kHz, deve estar chegando a AFRTS (American Forces Radio & Television Service) da base de Diego Garcia lá no Oceano Índico”. Fomos para a frequência e lá estava a emissora. Seus receptores de uso continuo eram um Sangean ATS-803 e um Sony ICF 2001 totalmente modificado pelo amigo Gilberto Borges e rebatizado como “Frankenstein”.
Entretanto, a maior virtude do Samuel foi a de ser um grande e verdadeiro amigo! Simplicidade, bondade, doçura, bom humor, inteligência, desprendimento, desapego a bens materiais, inteligência, educação e cultura foram suas características distintivas.
Amigo que, além de tudo isso, ainda fazia questão de nos “mimar” com “agrados” tão simples e importantes como ele: pinhão, mexerica, doces, DVDs de filmes clássicos e CDs sobre rádio. No último encontro que tivemos (26, 27, 28 e 29 de Dezembro de 2015) numa dxpedition ao sitio do Wilson Rodrigues em Itatiaiuçu – MG, me presenteou com CDs do “Passaport to World Band Radio” e, para minha surpresa, sementes de Tremoço, uma planta fabácea que poderia me ajudar no controle de diabetes!
Além dos encontros de dexistas, era comum ele se dispor a ajudar qualquer um de seus amigos a encontrar produtos eletrônicos na Rua Santa Ifigênia que era próxima a sua residência em São Paulo. Conseguindo ou não o produto, sempre vinha com o convite para uma cervejinha, um bate-papo, um almoço num boteco de esquina no bairro da Luz, onde havia comida de boa qualidade, vendida a preços módicos. Gostava de pagar a conta, relutava em dividi-la e, curiosamente, percebi que ele gostava tanto de feijões que os saboreava por ultimo, como sobremesa.
Era tecnólogo formado pela FATEC de São Paulo. Não sei se chegou a exercer a profissão porque sempre se dedicou ao comércio.
Entre suas maiores paixões, além de namoradas da raça negra e do rádio, estava o cinema, a música de boa qualidade e suas coleções de revistas, fotografias e recortes de jornal.
Não costumava polemizar sobre questões políticas com todos seus amigos, talvez evitasse o assunto para não criar desavenças.
Tinha uma visão de mundo bem particular, dizia creditar que o ser humano viveria melhor se o mundo não estivesse dividido em fronteiras, etnias ou religiões. Justificava sua posição alegando que ser motivada pelas imensas discriminações que o povo judeu sofreu ao longo da História.
Mesmo não sendo exatamente um “religioso”, talvez um “religioso equilibrado” como diz o Wilson Rodrigues, solidariamente ele participava do Yahrzeit, cerimônia que se realiza por ocasião de aniversário de falecimento de parente ou amigo da comunidade judaica. Entretanto sua solidariedade não ficava restrita a seu grupo étnico ou religioso, era para com todos! Talvez o exemplo maior disso esteja no fato de que ele sempre posicionou de forma contrária às investidas do Estado de Israel contra os Palestinos, aos quais chamava de “primos”, tal qual o falecido líder palestino Yasser Arafat que ele tanto admirava. Como bem assinalou o Wilson, o Samuel sempre defendeu e acreditou na possibilidade de uma convivência pacífica entre judeus e palestinos.
Com sua simplicidade, seu jeito bonachão, brincalhão, seu desapego a bens materiais e, sobretudo, por sua generosidade na distribuição de afetos, ele conquistou uma legião de amigos aos quais ensinou que é sempre possível se melhorar como ser humano.
Quem bem definiu o Zumbra foi o amigo Mealne Silva de Andrade: um anjo que veio em missão de Paz! Partiu no dia 1º. de fevereiro de 2016, deixando muitas saudades a todos que tiveram o privilégio de conhecê-lo.
Mairiporã SP – 07/02/2016
Texto por Wilson Rodrigues e Sérgio Dória Partamian
Uma grande e irreparável perda. Fica aqui o meu fraterno 73 a todos os que conviveram com o Samuel, nome inclusive de meu filho mais novo!!! Toda perda precoce nos enche de dúvidas mas como dizia meu saudoso avô, Deus chama cedo para perto dele os que desceram por engano e jamais deveriam ter saído do paraíso !!! Mais um anjo que volta pra casa!!! Paulo Tadeu de Castro – BAURU/SP